Em virtude da pandemia ocasiona pela disseminação do Coronavírus (COVID-19) e por meio do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março 2020, é que o Governo Federal declarou o momento vivenciado, como “estado de calamidade púbica”. Com o intuito de prevenir a propagação da doença e, desta forma garantir o direito à saúde previsto pela Carta Magna, foi publicado pelo Governo Federal, a Lei n. 13.979/2020, bem como expedida a Medida Provisória nº 927/2020.

Tais legislações, buscaram regulamentar medidas voltadas à proteção da coletividade, além daquelas destinadas ao funcionamento das atividades essenciais e não essenciais e a relação empregatícia dos envolvidos.

Em consonância com as determinações federais e com objetivo de cumpri-las, é que o Governador do Estado de Santa Catarina, Carlos Moisés da Silva, expediu diversos Decretos, dentre eles: 507/2020; 509/2020; 515/2020; 521/2020 e 525/2020.

Especialmente, chama-se atenção, em primeiro lugar, para o Decreto nº  515/2020, que entrou em vigor em 18 de março de 2020 e suspendeu por sete dias em todo território catarinense, as seguintes atividades não essenciais:

“Art. 2º Para enfrentamento da situação de emergência declarada no art. 1º deste Decreto, ficam suspensas, em todo o território catarinense, sob regime de quarentena, nos termos do inciso II do art. 2º da Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, pelo período de 7 (sete) dias: I – a circulação de veículos de transporte coletivo urbano municipal, intermunicipal e interestadual de passageiros; II – as atividades e os serviços privados não essenciais, a exemplo de academias, shopping centers, restaurantes e comércio em geral; III – as atividades e os serviços públicos não essenciais, no âmbito municipal, estadual e federal, que não puderem ser realizados por meio digital ou mediante trabalho remoto; e IV – a entrada de novos hóspedes no setor hoteleiro. […]”.Grifou-se.

“Art. 3º Ficam suspensos, em todo território catarinense, pelo período de 30 (trinta) dias, eventos e reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões, cursos presenciais, missas e cultos religiosos. Art. 4º Além de todas as determinações até aqui registradas, nas regiões em que já tiver sido identificado o contágio comunitário da COVID-19, as indústrias deverão operar somente com sua capacidade mínima necessária”.

Passado o lapso temporal citado,  o  Governo do Estado de Santa Catarina,  publicou o Decreto de nº 525/2020 (vigência a partir de 25/03/2020), mantendo a suspensão das atividades não essenciais. Veja-se:

Art. 7º Ficam suspensas, em todo o território catarinense, sob regime de quarentena, nos termos do inciso II do art. 2º da Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020: I – até 30 de abril de 2020:

I – A circulação de veículos de transporte coletivo urbano municipal e intermunicipal de passageiros; b) a circulação e o ingresso no território catarinense de veículos de transporte interestadual e internacional de passageiros, público ou privado, bem como os veículos de fretamento para transporte de pessoas; c) o funcionamento de shopping centers, centros comerciais e galerias; e d) a permanência de pessoas em bares, cafés, restaurantes e similares; e

II – até 31 de maio de 2020: a) os eventos e as reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões, cursos presenciais, missas e cultos religiosos; b) a concentração e a permanência de pessoas em espaços públicos de uso coletivo, como parques, praças e praias; c) as aulas nas unidades das redes pública e privada de ensino, municipal, estadual e federal, incluindo educação infantil, ensino fundamental, nível médio, educação de jovens e adultos (EJA), ensino técnico e ensino superior, sem prejuízo do cumprimento do calendário letivo, o qual deverá ser objeto de reposição oportunamente; d) o calendário de eventos esportivos organizados pela Fundação Catarinense de Esporte (FESPORTE), bem como o acesso público a eventos e competições da iniciativa privada; e e) as atividades em academias, clubes, cinemas, teatros, casas noturnas, bem como a realização de shows e espetáculos”. Grifou-se.

Ante ao vencimento do prazo estabelecido pelo Decreto de nº 525/2020 e visando a retomada gradual das atividades, o estado de Santa Catarina elaborou um Plano Estratégico, cujo qual  autorizava, a partir de 01 de abril de 2020, o funcionamento dos estabelecimentos abaixo:

“A partir de quarta-feira (01/04/2020): a) As atividades e os serviços privados não essenciais, a exemplo de academias, shopping centers, bares, restaurantes e comércio em geral; b) Atividades do setor hoteleiro; c) Atividades de Construção Civil; d) Os escritórios de prestação de serviços em geral; e) Os centros de distribuição e depósitos; […]”. Grifou-se.

Ocorre que, em conferência realizada no domingo, dia 29 de março de 2020, juntamente com prefeitos e Governador do estado de Santa Catarina, este optou por dilatar o prazo de isolamento social, mantendo as medidas restritivas por no mínimo 7 (sete) dias, podendo a chegar a 10 (dez) dias.

As exceções, deram-se para as atividades de agências bancárias; correspondentes bancários; lotérias e cooperativas de crédito, cujo funcionamento passou a ser permitido, desde o dia 30/03/2020 (às pessoas que necessitem de serviços presenciais), por intermédio da Portaria SES 192, de 29 de março de 2020.

Outra ressalva foi em relação às atividades vinculadas à construção civil que, por meio da Portaria nº 214, de 01 de abril de 2020 (vigência  a partir de 02/04/2020) restaram admitidas, assim como aquelas prestadas por profissionais liberais ou autônomos, englobando construção de edifícios, obras de infraestrutura e serviços especializados para construção.

Passado esse lapso temporal, o governo do estado de Santa Catarina, também publicou as portarias abaixo, as quais dispuseram sobre a liberação das de outras atividades:

Portaria SES nº 223, de 5 de abril de 2020: entrou em vigor em 06/04/2020, autorizando a atuação de profissionais autônomos/liberais da saúde; autônomos/liberais de interesse da saúde; autônomos/liberais em geral e clínicas, consultórios e demais serviços, nos termos do art. 1º, incisos I ao IV da portaria retromencionada;

Portaria SES nº 230, de 7 de abril de 2020:  autorizou, a partir de  08/04/2020, a execução de atividades pertinentes à reparação automotiva, consoante o descrito nos incisos I a X do art. 1º da aludida portaria; serviços de venda e revenda de automóveis, motocicletas, máquinas e implementos agrícolas; embarcações; locadoras de veículos; lavação automotiva; recapadoras/recauchutadora de pneus, borracharias; instaladoras de GNV; inspeção veicular; despachantes (art. 2º) e atividades de empresas de venda de autopeças; peças para máquinas e implementos agrícolas e de terraplanagem; acessórios automotivos; motopeças e peças para embarcações náuticas (art. 3);

Portaria SES nº 231, de 7 de abril de 2020: em vigor desde 07/04/2020, autorizou a partir de 08/04/2020, o desempenho de atividades relacionadas à lavanderia comercial, tinturaria e lavanderia de auto-serviço;

Portaria SES nº 244/2020, de 12 de abril de 2020: em vigor desde 12/04/2020, permitiu a partir de 13/04/2020, a abertura de hotéis, pousadas, albergues e afins; restaurantes, bares, cafés, lanchonete e coméricio de rua em geral (art. 1º, incisos I ao III), consoantes as obrigações consignadas na citada portaria.

Diante deste cenário e tendo em vista as consequências econômicas percebidas pelos empregadores/empresários pertencentes ao ramo das atividades não essenciais, cujas quais permaneceram suspensas até então ou ainda permanecem (eis que nem todas foram permitidas), pergunta-se:

Havendo paralisação definitiva ou temporária (caso do COVID-19), motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuidade da atividade, existe alguma alternativa capaz de auxiliar o empregador, inerente às relações empregatícias e eventuais rupturas contratuais?

A resposta se baseia na “Teoria do Fato do Príncipe”, a qual é entendida como:

“ […] toda determinação estatal, positiva ou negativa, geral, imprevista e imprevisível, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo. Essa oneração, constituindo uma álea administrativa extraordinária e extracontratual, desde que intolerável e impeditiva da execução do ajuste, obriga o Poder Público contratante a compensar integralmente os prejuízos suportados pela outra parte, a fim de possibilitar o prosseguimento da execução, e, se esta for impossível, rende ensejo à rescisão do contrato, com as indenizações cabíveis”. Grifou-se.

Esse instituto, também se encontra presente âmbito trabalhista, expresso no art. 486 da CLT. Nota-se:

“Art. 486. No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. […]”.

Do exposto, compreende-se que o factum principis, é uma espécie de força maior, sendo que para sua caracterização, além dos requisitos previstos no art. 501 da CLT, deverá haver impossibilidade da continuação da atividade empresarial, num todo ou parcialmente (no setor em que labora o empregado), em razão de lei ou ato administrativo.

Na conjuntura atual, verifica-se o sobredito, quando por meio dos Decretos supramencionados, o Governador do Estado de Santa Catarina, determinou a suspensão temporária das atividades não essenciais, com supedâneo, na Lei Federal de nº 13.9792020.

Nessa senda e com base no art. 486 da CLT, discute-se sobre a possibilidade de aplicar o fato do príncipe à pandemia vivenciada, posto que o dispositivo legal abarca além da extinção dos estabelecimentos, as longas paralisações de atividades motivadas por fatos alheios e imprevisíveis, para os quais o empregador não concorreu.

Por intermédio do emprego do presente instituto, é permitido operar a cessação do contrato de trabalho do empregado, atribuindo ao ente público responsável pelo ocorrido, o dever de pagar àquele a respectiva indenização trabalhista.

Para isso, o empregador deverá invocar a pretensão suscitada, utilizando-se de documento hábil, a  ser apresentado ao juiz compete à apreciação da causa, nos termos dos parágrafos primeiro e segundo do art. 486 da CLT.

A dispensa será encaixada na modalidade sem justa causa, respondendo a Administração Pública somente pelas indenizações devidas ao empregado, excluindo desses valores, as demais verbas rescisórias.

Esta indenização, refere-se às previstas nos arts. 477, caput, 478, 479 (c/c o art. 14 do Regulamento do FGTS, aprovado pelo Decreto 99.684/1990), 496, 497 e 498 da CLT (por tempo de serviço) e indenização compensatória de 40% sobre os depósitos de FGTS.

Contudo, embora haja previsão legal para tanto, muito se discute sobre a aplicação do art. 486 da CLT à situação pandemia pelo COVID-19, justamente por se tratar de fato novo e escasso de decisões, nesse sentido.

De acordo com o Desembargador do Trabalho (TRT da 1ª Região), Enoque Ribeiro dos Santos, há raríssimos casos julgados procedentes, com fulcro no fato do príncipe e com desígnio de excluir a responsabilidade do empregador.

Para Enoque Ribeiro, as determinações do Estado em consequência da pandemia pelo COVID-19, possuem “[…] índole preventiva, acautelatória, em prol da dignidade da pessoa humana e relacionadas a matéria de ordem pública, de imperatividade absoluta […]”.

Em complemento, o Desembargador versou que o fechamento temporário de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviço, encontram amparo no direito à saúde, higiene e medicina pública preventiva, afastando assim, a aplicabilidade do art. 486 da CLT, mesmo que existam leis regendo à situação[8].

Ainda, poder-se-ia fundamentar a corrente susodita, na ausência de discricionariedade do ato do poder público que, frente à pandemia enfrentada (“Act of God”), não teve outra opção, senão a de instituir a suspensão temporária das atividades e o isolamento social, para preservação da vida humana.

Noutra senda, há quem defenda o emprego do art. 486 da CLT, por conta das consequências econômico-sociais geradas pelo COVID-19. Essa foi a decisão do juiz Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, nos autos de nº 1016660-71.2020.4.01.3400.

No dia 26 de março de 2020, ao julgar o processo susodito, o magistrado registrou que a limitação financeira arguida pela parte (pessoa jurídica), decorreu de atos e ações deflagrados pela própria Administração Pública, qual seja, quarentena horizontal.

Nessa vertente, o juiz destacou que a autora “[…] não deu causa ao indesejado evento e muito menos teria condições de obstar os efeitos da quarentena horizontal imposta por motivos sanitários em âmbito nacional”.

Por isso, aplicou a Teoria do Fato do Príncipe, com objetivo de salvaguardar a postulante, autorizando o diferimento de recolhimento de tributos federais.

Muito embora essa decisão tenha sido proferida em âmbito tributária, seria permissível a sua aplicação, analogicamente, à esfera trabalhista, visto que os fundamentos fáticos e jurídicos utilizados, são os mesmos os quais consubstanciam a aplicação do art. 486 da CLT.

Ademias, para essa teoria, há  existência de discricionariedade nos decretos estaduais e municipais, posto que o art. 3º da Lei n. 13.979/2020, facultou à aplicabilidade das medidas descritas em seus incisos I ao VIII.

Desse modo e de fronte ao evento imprevisível vivenciado, deverá o poder judiciário, para uma melhor solubilidade dos casos, considerar a singularidade da pandemia pelo COVID-19, e a possibilidade da aplicação do disposto no art. 486 da CLT, a fim de construir decisões sólidas, capazes de respeitar à ordem econômica e valorização do trabalho humano (art.  170 da CRFB/88).

 

*Por Dra. Ana Paula R. Alvim, advogada (OAB/SC 47.844)

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