Com a disseminação do vírus COVID-19 a nível mundial, passando a ser classificado pela Organização Mundial da Saúde como pandemia, ante o seu alto grau de contágio e alcance demográfico em um período curto de tempo, os reflexos na economia mundial já vêm sendo percebidos.
No Brasil foi reconhecido o Estado de Calamidade Pública a nível federal por meio de Decreto Legislativo, publicado no dia 20 de março de 2020. Ocorre que desde que se deu o start para a chegada do vírus, numerosos têm sido os aparatos legislativos editados quase que diariamente no afã de conter, tanto a contaminação do vírus, quanto os efeitos decorrentes na economia.
Enquanto as consequências financeiras do período ainda estão sendo projetadas, no Brasil e no mundo se vê a adoção de medidas a fim de mitigar os impactos da crise nos mais diversos setores. Nesse cenário que se instituiu, muito se questiona a respeito das relações comerciais, sobre as quais recai um grandioso impacto já que profundamente afetadas ante a paralisação brusca da maioria das atividades.
A ausência de uma previsão legal específica para cada caso, obviamente, tem feito com que os juristas busquem uma interpretação na lei geral, baseando-se, ainda, nos princípios e regras de analogia.
Efetivamente, deve se ter em mente que não há como se determinar uma solução genérica para todos os casos, faz-se necessária uma análise individualizada de cada qual a fim de aferir as possibilidades reais e disponíveis para o enfrentamento da questão.
Ao se ater, especificamente, aos contratos de locações não residenciais, rememora-se que é regido pelas disposições da Lei n. 8.245/91, sendo expressamente prevista (art.18) a possibilidade de reajustar os valores de locação ou modificar/inserir cláusula de reajuste, livremente convencionada pelas partes interessadas. A partir disso, cumpre observar que já existe a disposição legal que possibilita rever os termos de locação, sendo que a expressa renúncia a esse direito no instrumento contratual, não impede que seja diversamente pactuado entre as partes.
Nesta linha, algumas hipóteses podem ser convencionadas, a exemplo da concessão de desconto no valor do aluguel por prazo fixo proporcionalmente às restrições e perdas sofridas; redução no valor a ser posteriormente compensada; ou, até mesmo, um período de carência, em que as prestações não seriam cobradas, dentre outras possibilidades.
Aos contratos mantidos por três anos ou mais , em que não haja consenso entre locador e locatário acerca da adequação da prestação, é possível requerer judicialmente a revisão do aluguel, ajustando o preço em conformidade com a realidade do mercado. Neste caso, é importante se munir documentalmente de elementos que demonstrem a queda no faturamento ou que justifiquem a redução.
Em tempos de pandemia, inibição dos lucros, proibição ou redução das atividades, diminuição de fluxo de caixa, efetivamente não se compreende uma tarefa difícil justificar um pedido desses, observando-se, contudo, as peculiaridades legais.
Nos casos de judicialização da questão, há possibilidade de requerer a fixação de aluguel provisório, mas que que não poderá ser inferior a 80% do aluguel vigente, enquanto tramitar o processo.
Avançando, ainda, nas disposições civilistas, já que é lícita a sua aplicação subsidiária/complementar à lei de locações, existem institutos que possibilitam a revisão contratual e que contemplam o cenário atual. Entre elas, a teoria da imprevisão, em que pela superveniência de motivos imprevisíveis as partes podem rever as prestações devidas, com o objetivo de restabelecer o equilíbrio econômico contratual; onerosidade excessiva, por meio da qual a parte atingida por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis pode postular a rescisão contratual ou ajustar o negócio a fim de retomar o equilíbrio financeiro.
E, por fim, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior , em que a sua ocorrência desobriga o devedor dos danos advindos, a exemplo de uma rescisão contratual.
Vale lembrar que, ainda que não estejam expressamente previstas cláusulas que contemplem os institutos acima elencados, por se tratar de previsão do Código Civil, igualmente alcança o instrumento firmado entre as partes e poderá ser invocado para fins de rediscutir os termos contratuais.
A aplicação das vertentes jurídicas no enfrentamento dos danos da crise não é exata, porém, é possível estabelecer um panorama de que haverá um estremecimento nas relações comerciais vigentes em meio a tal cenário e, assim, possibilitará que novas alternativas se construam para atenuar as consequências havidas.
A par do dilema inédito no ordenamento jurídico, não apenas brasileiro, mas a nível internacional, tem-se que a melhor resposta permanece sendo o bom senso, pautando-se na boa-fé e equilíbrio com o objetivo de dinamizar as obrigações e contraprestações para que não haja a ruptura do negócio.
Apesar da onda calamitosa e avassaladora que se abateu sobre a humanidade, é crucial lembrar que a saída para superarmos a crise como sociedade é a resolução consensual dos conflitos, sem a quebra dos negócios, movimentando com ainda mais vigor a economia do país.
* Por Dra. Jéssica Voltolini Pereira (OAB/SC nº 32.900), advogada associada.